sexta-feira, 23 de abril de 2010

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Andy/Hélio




Ontem fui à SP conferir as exposições Andy Warhol - Mr América e Hélio Oiticica - Museu é Mundo. Encontrei meu amigo Adriel (depois de um ano e meio mais ou menos... queriiiiiido!!!) e juntos fizemos essa empreitada. Pela manhã foi a vez de Andy. E é impressionante como este artista se mantém atual e dita ainda aos nossos tempos! Estavam lá boa parte de seus clássicos trabalhos: Marylins, Dólares, Balões prateados de gás hélio (uma coisa bem Oiticica, aliás), Empire State numa filmagem de mais de 8 horas etcetcetc... Andy dita até onde não previa. Embora a sua Factory fosse prateada e aludisse a um futuro que para os anos 60 seria prateado, o futuro chegou e mostrou-se colorido, mas colorido por Andy. Segundo o próprio, a prata era acima de tudo narcisismo, e o reflexo de Andy é mesmo essa overdose colorida do exposto, do que está por fora, da embalagem. O próprio Andy dizia que não havia nada “por trás” de seu trabalho, tudo estava na superfície. E incorro no risco de dizer que se há algo atrás que a obra de Andy evoca, é algo que não está atrás da obra, mas sim atrás de nós, ao mesmo tempo que no nosso fora. Ao sairmos pra rua dificilmente veremos uma paisagem bucólica, e, mesmo se pudermos ver, em sua frente provavelmente nos esbarraremos com um outdoor anunciando a coca-cola, Alice do Tim Burton ou o novo perfume do Antônio Banderas. E isso é o que objetivamente nos bombardeia diariamente delimitando aquilo que há subjetivamente em nós. Nosso “interior” é reflexo daquilo que Andy enquadra: consumo, idolatria, ambição etc. Se não há “conteúdo” na obra de Andy é porque nela restam apenas as embalagens vazias de conteúdos que foram depositados em nós. Para se afetar com Andy há que se olhar para si próprio, para dentro e para fora. Qual a marca do seu tênis? Do seu notebook? De qual ator você gosta? De qual perfume? Quem usa ele também? Por mais que se tente escapar de uma vivência consumista, impossível negar que se está em relação à ela, endossando-a ou impondo resistência, nunca a despeito dela.
Saímos Adriel e eu da Estação Pinacoteca, almoçamos, chegamos ao Itaú Cultural, vimos um curta curioso chamado Gato, dormimos um pouco no cinema e então: Hélio Oiticica – Museu é Mundo. Não tenho conhecimento conceitual de seu trabalho, portanto refletirei do ponto de vista do espectador leigo que foi extremamente afetado por sua obra. Não sei se porque pela manhã fui à exposição do Andy, onde tudo é “acabado”, conhecido, tudo possui uma forma etcetc, mas o impacto de Hélio foi como um caminhão de areia jogado em cima da subjetividade com base em referências prontas, já deglutidas e naturalizadas. Resumiria o dia de ontem da seguinte forma: Andy apontou a doença e Hélio a cura. Longe de mim sugerir que ambos tiveram tal intenção! Mas é que Hélio faz com que possamos perceber a maleabilidade da matéria quando ela ainda parece nem ter se transformado em matéria, ou seja, quando ela é ainda energia. Em seu trabalho, Hélio abre os nossos olhos pra que possamos perceber que há devires-mundos dos quais não temos a menor idéia, ou seja, se estamos acostumados a usarmos as cores de Andy para elaborar rótulos, podemos usá-las para absolutamente QUALQUER COISA. Hélio revela uma possibilidade de natureza terapêutica: o caos. É por isso que seus Parangolés podem virar qualquer coisa, porque o Parangolé é a materialização do caos, ou melhor, o Parangolé não é matéria, o Parangolé é pura energia a ser transformada em matéria. Pessoalmente não resisti e me joguei no Parangolé, coisa que já tinha feito antes na companhia de amigos queridos (se eles lerem isso se lembrarão). É engraçado que no espaço onde estão os Parangolés têm também uns espelhos. Grande parte das pessoas vestem os parangolés e tentam fazer deles algo mais próximo de um vestido, comentam como ficou no corpo um do outro, ajeitam-no na cintura, se olham insistentemente no espelho para ver se estão bem etc... Nesse caso o parangolé revela a insistência da pregnância no nosso olhar, a coisa disforme PRECISA assumir a forma mais familiar possível!!! Minha relação foi outra. Inicialmente com um pouco de vergonha, comecei timidamente a experimentar com o parangolé, depois, como que ligando um foda-se, como que possuído pela entidade energética da obra, não fui somente eu quem deu forma a ela, mas ela também a mim, fez meu corpo sair da postura ereta, fez minha cabeça sair por seus buracos, passou por entre minhas pernas e me deu uma chave-de-braço, me provocava à mesma medida em que eu fazia o mesmo com ela, jogava comigo e em nenhum momento insistiu em se transformar em algo familiar, o parangolé deve ter estudado algo sobre alteridade. E tem muito mais no trabalho de Hélio a ser visto nessa exposição: suas arquiteturas orgânicas com base em estudos em favelas, seus desenhos com cocaína, seus móbiles 3D (objetos suspensos maravilhosos que alucinogenamente transformam o espaço, são drogas artísticas) etcetcetc... Tudo estímulo pra que quem presencie crie também, na esteira daquele entendimento que Winnicot e Lygia Clark têm a respeito da saúde: saúde como capacidade de criar.
Enfim dois trabalhos interessantíssimos que possibilitam zilhões de links pessoais e experimentações. Mas quero deixar uma última impressão que dividi com meu amigo Adriel logo que saí da exposição do Hélio. Retomando brevemente o dia, formulei o que antes não estava claro em relação à exposição do Andy e que só consegui formular porque fui à exposição do Hélio. Logo que cheguei em Andy-Mr América, tive uma (como posso dizer?)... certa comoção, tendo em vista que fiz Andy no teatro, e, embora nossas diferenças sejam enormes, a começar pela largura das coxas e do quadril, Andy e eu temos um “q” que nos aproxima muito (somos freaks), as vezes converso com ele e ele me oferta conselhos, muitas vezes ele grita no meu ouvido e minha surdez me impede de ouvi-lo fazendo com que eu cometa gafes péssimas... Mas enfim, afora esta comoção devida a nossa intimidade, e ao fato de estar vendo ali as obras FEITAS DIRETAMENTE POR SUAS MÃOS, o fato do que está exposto ali ter sido FEITO DIRETAMENTE POR SUAS MÃOS logo-logo passou a não ter mais importância. Andy reproduziu imagens conhecidas, mas talvez não tenha previsto que suas reproduções seriam metareprodutibilicamente (sorry, inventei) reproduzidas em série. Tudo o que está ali já se viu muito, seja em prateleiras de supermercado, seja enquadrado por Andy. Entramos então na questão da Aura de Walter Benjamin. Mas não quero fazer isso a partir da teoria e do conceito, mas sim a partir da minha sensação. O trabalho e Andy é tão genial que não faz diferença ver seu original ou sua cópia. E isso é o interessante! Não há em Andy-Mister América nada de especial por serem seus originais ali, a não ser que, como eu, você tenha uma ligação afetiva com ele. Mas em se tratando da obra, ver os originais de AW ou vê-los pelo Google Imagens não faz grande diferença a não ser na conta bancária de quem possui um original seu.
Bem, era isso!


Serviço:

Andy Warhol, Mr. America
De 20 de março a 23 de maio de 2010. Estação Pinacoteca. Largo General Osório, 66 – fone 11 3337.0185
Hélio Oiticica – Museu É o Mundo
De 20/03 a 16/05 Itaú Cultural. Av. Paulista, 149. Estação Brigadeiro do Metrô. Paraíso - Sul. Telefone: (11) 2168-1776/1777